FRANCISCO
O
ano era 1992, eu era muito jovem e
sem experiência. O mês era Junho e fazia muito frio em São Paulo.
Na
turma daquele ano tinha um rapaz de nome Francisco, recém-chegado da Paraíba,
onde as temperatura são altíssimas e o calor intenso.
O Francisco veio sozinho e trabalhava como Gari durante o dia, e a noite
entrou na escola para aprender a ler e a escrever, já que na Paraiba não teve a
oportunidade de estudar quando criança.
Era um rapaz alto, forte, era muito alegre e tinha um sotaque bem nordestino e bem gostoso de se ouvir na
sala. O sonho de Francisco, como de todo
rapaz migrante era trazer a família pra São Paulo, no caso dele
a mulher e o filho.
Mas
o mês era Junho e fazia muito frio. Durante esses dias de frio, eu entrava na
sala e cumprimentava a turma e não deixava de notar que todos estavam muito
agasalhados e Francisco estava com uma camisa surrada pelo tempo, e eu na minha
ingenuidade perguntava: Francisco você não sente frio? E todo dia ele me respondia que não. Não
professora eu não sinto o frio. E a aula seguia.
Porém,
num dia de frio intenso, observando Francisco eu percebi que ele estava com
frio e eu questionei : Francisco você
não esta com frio mesmo? A resposta veio de uma forma diferente das anteriores.
Professora eu posso esperar a senhora no final da aula? A minha resposta foi
que sim.
Nesse
dia Francisco me acompanhou até a porta da minha casa, que ficava a poucos
metros da escola., e no caminho ele me disse: Professora Leonita, eu gostaria
que a Senhora não me perguntasse mais se tenho
frio, porque eu tenho frio,
mas não tenho uma blusa e nem tenho como comprar, todo o meu
salário, estou guardando pra trazer minha família pra perto de mim. O que o Francisco me disse tocou tão profundamente em mim, me fez
sentir tão pequena, tão sem sensibilidade que eu me senti envergonhada. Como eu educadora não
tinha percebido? O frio cortava os
nossos rostos e Francisco ali do meu
lado tremendo de frio, com sua camisa
surrada, a única talvez que ele tinha.
Ele não era uma criança, nem um adolescente, era um pai de família que
tinha um sonho e que pra que esse sonho se realizasse abria mão de coisas tão importantes.
Estávamos
em frente a minha casa e eu perguntei se
ele queria entrar um pouquinho, fazia
questão que ele entrasse. Era 22:30 da noite, na minha casa, meus filhos e
marido já estavam dormindo, entrei, deixei Francisco na sala e fui até o
quarto, abri o armário do meu marido e peguei tudo o que podia para dar ao
Francisco, inclusive jaquetas de frio, a sorte que meu marido
também era alto e forte e que as roupas serviriam.
Não
dá pra descrever a felicidade de Francisco, e no prazer que tive no dia
seguinte ao entrar na sala de aula e ver que ele estava bem agasalhado. Nós
educadoras da escola fizemos uma vaquinha pra ajudar o Francisco trazer a
família da Paraiba.E assim correu
o ano letivo.
Na
noite de Natal de 1992, faltava apenas
uns dez minutos para meia noite, estávamos todos da minha família reunida, já
entregando os presentes quando a minha
campainha tocou, minha filha foi atender
e a minha surpresa foi que Francisco a mulher e o filho foram me cumprimentar e me levar um presente, uma simples caixinha
de sabonetes, foi o melhor presente que
ganhei naquela noite.
A partir deste fato, comecei a olhar para os meus alunos de uma outra
forma, a olhar com o coração e a conversar
sobre sonhos e expectativas.
Leonita Oliveira
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