segunda-feira, 23 de setembro de 2013

CONTANDO HISTÓRIAS DE VIDA



FRANCISCO

O ano era 1992,  eu era muito jovem e sem  experiência. O mês  era Junho e fazia muito frio em  São Paulo.
Na turma daquele ano tinha um rapaz de nome Francisco, recém-chegado da Paraíba, onde as temperatura são altíssimas e o  calor intenso.  O Francisco veio sozinho e trabalhava como Gari durante o dia, e a noite entrou na escola para aprender a ler e a escrever, já que na Paraiba não teve a oportunidade de estudar quando criança.  Era um rapaz alto, forte, era muito alegre e  tinha um sotaque  bem nordestino e bem gostoso de se ouvir na sala.  O sonho de Francisco, como de todo rapaz migrante  era  trazer a família pra São Paulo, no caso dele a mulher e o filho.
Mas o mês era Junho e fazia muito frio. Durante esses dias de frio, eu entrava na sala e cumprimentava a turma e não deixava de notar que todos estavam muito agasalhados e Francisco estava com uma camisa surrada pelo tempo, e eu na minha ingenuidade perguntava: Francisco você não sente frio?  E todo dia ele me respondia que não. Não professora eu não sinto o frio. E a aula seguia.
Porém, num dia de frio intenso, observando Francisco eu percebi que ele estava com frio  e eu questionei : Francisco você não esta com frio mesmo? A resposta veio de uma forma diferente das anteriores. Professora eu posso esperar a senhora no final da aula? A minha resposta foi que sim.
Nesse dia Francisco me acompanhou até a porta da minha casa, que ficava a poucos metros da escola., e no caminho ele me disse: Professora Leonita, eu gostaria que a Senhora não me perguntasse mais se tenho  frio, porque eu tenho frio,  mas  não  tenho  uma blusa e nem tenho como comprar, todo o meu salário, estou guardando pra trazer minha família pra perto de mim.  O que o Francisco me disse  tocou tão profundamente em mim, me fez sentir  tão pequena, tão  sem sensibilidade que eu  me senti envergonhada. Como eu educadora não tinha percebido?  O frio cortava os nossos rostos e Francisco  ali do meu lado tremendo de frio, com sua camisa  surrada, a única talvez que ele tinha.  Ele não era uma criança, nem um adolescente, era um pai de família que tinha um sonho e que pra que esse sonho se realizasse  abria mão de coisas tão importantes.
Estávamos  em frente a minha casa e eu perguntei se ele queria entrar um pouquinho,  fazia questão que ele entrasse. Era 22:30 da noite, na minha casa, meus filhos e marido já estavam dormindo, entrei, deixei Francisco na sala e fui até o quarto, abri o armário do meu marido e peguei tudo o que podia para dar ao Francisco,  inclusive  jaquetas de frio, a sorte que meu marido também era alto e forte e que as roupas  serviriam.
Não dá pra descrever a felicidade de Francisco, e no prazer que tive no dia seguinte ao entrar na sala de aula e ver que ele estava bem agasalhado. Nós educadoras da escola fizemos uma vaquinha pra ajudar o Francisco trazer  a  família  da Paraiba.E assim correu o ano letivo.
Na noite de Natal  de 1992, faltava apenas uns dez minutos para meia noite, estávamos todos da minha família reunida, já entregando os presentes  quando a minha campainha tocou, minha filha  foi atender e a minha surpresa foi que Francisco a mulher e o filho foram  me cumprimentar  e me levar um presente, uma simples caixinha de sabonetes, foi  o melhor presente que ganhei  naquela  noite.  A partir deste fato, comecei a olhar para os meus alunos de uma outra forma, a olhar com o coração e a conversar  sobre sonhos e expectativas.

Leonita Oliveira

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